DESCABIDO

por Alexandra Deitos

Era um homem incomum, tanto em seus hábitos como em sua fisionomia.
Alto e esguio sua silhueta tornava-se desengonçada, os cabelos espessos e escuros eram longos até o meio das costas, o rosto não se via muito, quase todo encoberto pela barba que também era exagerada e o corpo, todo coberto por pêlos, era estranhado pelas garotas de programa que ele costumava procurar quase todas as noites.
Definitivamente sofria muito com o verão, ajeitava o cabelo num firme rabo de cavalo e negava-se a cortar barba, cabelo ou pêlos na promessa de passar menos calor. Esboçava um sorriso quando chegava o inverno.
Teve apenas uma namorada, também foi sua única esposa. A causa da separação: o amor dele pelos pêlos.
Gostava de tomar banho pela manhã e ao entardecer, nunca se enxugava, ficava perambulando pela casa nu e molhado. Passava a maior parte do tempo lendo bulas de remédios e assistindo comerciais de televisão.
Um dia ao sentar na cama, não se sabe por que, os pêlos do tornozelo dele grudaram na colcha de chenile.
Foi impossível separá-los, colcha e pêlos. Ficou sentado durante muito tempo pensando, por fim recortou a colcha contornando os pêlos.
Aquele pedaço de chenile em seu tornozelo passou a importuná-lo. Procurou um médico. Foi anestesiado e acordou com uma enorme mancha branca no tornozelo. O chenile fora arrancado junto com seus pêlos.
Proferiu muitos insultos ao tal médico e exigiu seus pêlos de volta. Guardou-os em um grande pote de vidro junto com todos os outros que arrancou, um por um, com uma pinça, nas semanas seguintes.
Não sofreu mais com o verão, mas também não sorriu mais com o inverno. Não leu mais bulas, nem assistiu comerciais, muito menos procurou garotas de programa.
Passou a enxugar-se com a colcha de chenile. Não que a colcha servisse com uma ótima toalha, era para mostrar que ela não lhe roubaria mais nenhum pêlo.

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