Desafio

por Alexandra Deitos
Seu corpo adquiriu instantaneamente a magnânima característica camaleoa. Por alguns minutos teve a certeza que ser confundida com o poste do ponto de ônibus era o melhor que podia fazer. A imensidão da noite e a garoa fina contribuíram em muito para tal façanha, mas no instante da transmutação ninguém poderia duvidar do poder de querer.
Os dois elementos, por estarem bêbados demais ou pela eficiência no disfarce de poste, passaram sem contato algum, não se saberia jamais – alguns poderiam afirmar algo como Deus, e ainda minutos antes ela lia algo como A igreja do Diabo, mas não seria justo passar pela cabeça de ninguém algo como descrença – na calmaria ou na agitação era tudo muito simples, tudo uma coisa só, ela acreditava em algo e era reconfortante e perfeito.
Conforme seu ritmo se igualava ao da garoa ela lentamente abandonava a rigidez do objeto, voltando tranqüila para as formas de seu humano corpo. Observou a imensidão ao seu redor, observou a imensidão dentro de si: mergulhou. Lembrava-se de ainda durante o dia ter sido desafiada: esvazie o copo. Observou, mergulhou, lembrou, perdeu-se. Há muito ela sentia-se perdida, porém não se sentia abandonada nessa confusa vastidão, não agora – antes sim, quando se julgava achada, não agora. Estar perdida poderia ser o contato mais sincero e supremo com a verdade de sua natureza humana.
Seu corpo e seu Deus chegaram em casa, talvez eles nunca houvessem se separado ou como amigos de muito tempo se reencontravam… ainda, sem prepotência, talvez eles fossem de fato uma coisa só.
Dolfão,
É racional demais pensar no copo cheio, vazio, ou meio-cheio, ou meio-vazio, mas também não sei se sentir é o mais simples. Não faltei com o desafio, porque não necessariamente ele precisa ter um desfecho, certo? Foi importante o reconhecimento de algumas necessidades talvez esquecidas com as conturbações dos últimos tempos (de verdade, como sempre, muito significativa nossa conversa). O voltar-se para dentro é uma semente de frutas da estação, como semente precisa de seu tempo certo, de sua Lua… e se você pula uma estação sem semear: ficará sem frutos! se você semear demais: não terá tempo de consumir todos os frutos! e a degustação precisa ser lenta para alimentar satisfatoriamente. Sim, Xandinha estava perdida e continua perdida, e sim, acho que ela continuará sempre assim – perdida… e acho mais, acho que todos estamos perdidos, mesmo quando nos achamos tão certos de onde estamos. (achismos! rss) O importante não é essa historinha toda, o importante é o amor que levamos nas mãos, nas mãos que oferecem rosas. O importante é a certeza que na calada imensidão não somos só mais um, mas sim somos também mais um, que não somos perfeitos, mas que a existência da imperfeição é o que nos torna parte da perfeição, que não somos todo de amor, mas que nos esforçamos por amar de forma total. E aí o beija-flor salva a floresta, a borboleta encontra o jardim, e o copo passa a ser a ligação com a semente. 
Sim, Xandinha não consegue fugir do glamour, e Dolfão, como sempre, vai ler e resumir em três linhas práticas. Eu vou sorrir. Talvez você vá sorrir também. E talvez nada tenha mudado, e talvez tudo mude o tempo todo mesmo… A vida é simples.

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