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…ela acordou com uma tristeza comum, a tristeza de sentir o peso da liberdade. Saltitava na subida das montanhas, buscava belezas nos subterrâneos dos poços, tentava sempre perceber o lado melhor, mas era inevitável ter a tristeza e o peso como presenças que se impõem sem permissão. Sentia o vento quebrando-a ao meio, os carros atropelando-a nas esquinas, as chuvas de verão afogando-a.
…ela ligou para a mãe, como todo filho faz. Não falou das angústias, nem das lutas, nem das derrotas, mas jogou conversa fora, perguntou da saúde e cobrou uma visita. Num “alô” a mãe oferecia uma infinidade de gaiolas das mais diversas cores, tamanhos e tipos. Num “tchau” a filha renunciava as comodidades e maravilhas de um mundo superprotetor.
…ela seguiu mais uma vez com as alegrias ingênuas, guardou as dúvidas numa caixinha de onde tirou porções de espinafre. Sua vida não possuía certificado de garantia, independe da relutância em viver com ou sem gaiola, mas se fosse bem cuidada isso não teria importância alguma, talvez.