Entre ter e estar

por Alexandra Deitos
Em alguns dias estarei de visita à cidade em que nasci, brinquei, cresci e vivi os bons anos antes da tal febre da independência que mudou meu tracejar. Lá tive família, e tenho-a. Lá tenho amigos, ou tive-os. Lá poderia eu ainda ter uma vida inteira, mas ter me parece coisa tão pobre.
Quanta gente quer ter. Ter, ter e ter, as coisas, as pessoas, as situações, os lugares, em vez de estar, simplesmente estar, com, ali, lá, nós, agora. A vida é independente, e não nos darmos conta disso machuca mais do que o real fim na morte. E se a vida o é, nós também devemos ser. As estradas não estão prontas, o mundo muda muito, a cada segundo uma porta se abre e duas se fecham, você vê paisagens pelo vidro de um carro e já são novas paradas. Aceitar, aceitar as mudanças é o que entorna significado ao insignificante.
Os amigos com quem eu estive quando morei lá não são mais os que posso estar hoje, questões práticas de geografia e resoluções sociais, questões difíceis de psicologia e resoluções sentimentais, mas o grande entendimento da questão está nas pessoas que compreendem essas mudanças. Ah, aqueles que conseguem compreender que não podemos estar nos momentos, mas podemos manter o já vivido, preservando-nos, são as grandes pessoas que considero.
Desaparecem, devastam com tudo os que se apegam em ter. Completam-se, os que se conscientizam do estar, preenchem a vida de valores mais reais fugindo da existência vazia, vã e dolorosa. Não comprar substituições para o “ter” e abraçar o momento de “estar”, essa seria uma grande satisfação na totalidade.
Quando nos encontramos, pessoas que compreendem as mudanças da vida, os rumos, as necessidades, temos muitos assuntos, longas boas conversas e uma grande amizade, maior do que se poderia imaginar tendo-a, porque estar é o refinamento da beleza, a construção das coisas que realmente perpetuam e são importantes.

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