Coração, corpo & mente, quem comanda quem?
Há quem diga que o Saco do Mamanguá, localizado em Paraty, não é um fiorde e sim uma ria. Seria algo assim porque fiordes originaram-se do degelo e a ria pela ação das marés. Mas entre controvérsias teóricas pelo nome, fico com a beleza da paisagem.
Um braço de mar que avança por 8 quilômetros do continente banhando montanhas cobertas de Mata Atlântica e formando muitas praias paradisíacas. Há muito o que se conhecer nesse paraíso, e logicamente o que visitei até então é quase nada. Mas é o nada deslumbrante que te deixa, como deve ser, querendo mais.

Maneira de acessar o Saco do Mamanguá existem muitas. E pessoas fornecendo informações também. O que eu gostaria aqui é apenas que embarque comigo no relato da minha experiência e que isso possa te despertar inspirações para criar a sua em qualquer lugar que deseje.
Diante da análise de inúmeras possibilidades, disposição, custo benefício, relação tempo e outras tantas demandas. A escolha foi sair pela manhã de Paraty com o transporte público que leva até Paraty-Mirim, um encanto de vila que merece também seu relato em breve.
A partir de Paraty-Mirim negociamos com um local a travessia por mar até a Praia do Cruzeiro, uma das 33 praias do Saco do Mamanguá, e que dá acesso a trilha do Pão de Açúcar, o foco do dia. Partimos com ele e Sophia, sua cãompanheira dona do barco. Por um trajeto de uns 30 minutos entre paisagens maravilhosas e informações sobre o local.



Quando o Pico do Pão de Açúcar se apresentou à esquerda da embarcação e me dei conta da ‘escalada’ que me aguardava, a dúvida abalou todas as certezas. São 466 metros de elevação em apenas 1,5 km de distância do início da trilha até o ponto mais alto. Ver isso na sua frente é bem diferente de racionalmente estimar o que seria, principalmente quando se está sedentária e mentalmente duvidosa de suas capacidades de outrora.
Mateus, o barqueiro, deu o panorama: há quem faça em 40 minutos e há quem leve 3 horas. Pensei, claramente, que eu bateria o recorde e levaria bem umas 4 horas. Levando isso em conta, nos despedimos dele e da Sophia, marcando o horário mais tardio do retorno do barco para nos resgatar de volta à Paraty-Mirim.
E assim, partindo com os pés que saem do barco e são envoltos pelo mar, depois pela areia, então pelas folhas, raízes, barro, pedras e insetos, pé ante pé, iniciou-se a subida. Ser quem se é, e não quem se foi, é difícil demais. O coração saindo pela boca, entalado ali entre o possível e o que se deseja.


As pausas para descanso começaram lentamente e foram tomando mais tempo que o movimento. ‘Pelo menos é só subida’ e ‘depois é só descer’. ‘Leve o tempo que for, eu vou chegar’. ‘O importante é que estou aqui’. ‘A Alexandra do passado já estaria lá em cima faz tempo’. ‘Se eu parar agora, ainda assim terá valido a pena’. ‘Acho que esse é meu limite’. A mente, arriscaria dizer, trabalha mais do que o corpo nesse processo.
Mas também há outro fator. Para mim, fazer isso acompanhada estava sendo mais difícil do que sozinha. Por quê? Só muita terapia poderá responder… Mas, somente quando o meu companheiro resolveu avançar na frente e me esperar mais adiante, quando eu fiquei só comigo mesma é que eu soube que eu já tinha subido, eu estava lá em cima desde o momento que eu vislumbrei pela primeira vez ver o Saco do Mamanguá a partir do Pico do Pão de Açúcar.
E, assim, terminei os últimos metros de subida sem dúvidas sobre as certezas, no meu tempo do agora e feliz com quem sou. Foi 1h30 de uma vida na cabeça, um coração buscando o corpo, e um corpo mantendo-se vivo.


Ah, a vista! Ela chegou, grandiosa e magnífica. Melhor do que eu imaginava, real como deveria ser, e como a parte de um todo ao qual pertence. A pequenez das embarcações lá embaixo, as profundidades nas tonalidades do mar, a ausência de outras pessoas, ocasionada pelo frio e pelas chuvas dos dias anteriores, tudo compondo aquela experiência, aquele momento.
E então, descer. Voltar a percorrer o caminho agora sobre outra perspectiva, novas sensações, a continuação do que é. Descer de fato é mais fácil, requer mais atenção, um pouco mais de musculatura para segurar o impacto, mas agora a mente já trabalha menos e tudo corre com mais fluidez, como a água.
Quando nos damos conta, o feito foi feito. E há tempo para caminhar pela praia, conversar com o senhor, morador que abriu a trilha, percorrer mais um trilha agora em direção a outra praia, avançar pelas pedras até ter o mar só para si e a imensidão a te abraçar. Com o passar das horas ver um barqueiro apontar ao longe, e se aproximar da pedra onde você está, como um velho amigo que te encontra ao acaso. Todos sorriem, pessoas, cachorra, mar, céu. Todos velhos amigos no tempo do seu próprio mundo.


