A vida de alguém

por Alexandra Deitos
Essa é a história daquele que nasceu sem sentido algum, que chegou ao mundo rompendo uma placenta e um cordão umbilical sem nada saber, que não tinha metas, não tinha idéias, nada sabia e continuaria sem saber por muito e muito tempo – a vida inteira certamente. Nasceu chorando por simples condição, bem como os posteriores sorrisos. E não me resta dúvida de que isso é apenas mais uma história comum.
Dizem por aí que era proprietário de cinco sentidos: tato, olfato, paladar, visão e audição – na falta de ter um sentido único e grandioso, mas de fato eram apenas boatos. Nascera nu, de corpo, de alma e de sentidos.
Já nos primeiros momentos de vida começou sua busca. Vislumbres de cores, formas e imagens psicodélicas inflamavam-lhe algumas certezas e outras tantas dúvidas. Existia algo para ser visto e incorporado e passou muito tempo aprimorando os degraus entre ver e enxergar. Ele sentia tudo que via, mas não via tudo que sentia e, assim sendo, as coisas tornavam-se vazias.
Na tentativa de absorver o sentir passou a precisar do contato, do encontro. Tocava com volúpia e necessidade tudo que via, tocava para sentir o sentido, para incorporar, absorver, porém jamais conseguia sentir para tocar. Assim passaram delongados dias, meses e meses, anos, e tudo lhe parecia certamente mais vazio do que antes.
Agora ele se inebriava em fragrâncias. É bem possível que tudo tenha começado com um perfume adocicado em uma primavera qualquer, dali em diante os cheiros passaram a ser todo o sentido que ele queria. Teve certeza, por um instante, que finalmente sentia primeiro para só depois incorporar o sentido em forma de essência. Mas a ilusão mostrou-se competente, logo foi se esvanecendo e ele esvaziando-se novamente. Precisava do cheiro para sentir e não podia mais se enganar.
Deu-se por vencido. Não buscou mais sentir por si. Via, tocava e cheirava por simples condição, é certo que em alguns momentos tinha descontroles onde a condição se perdia e então ele dominava tudo isso de forma oscilada e vaga em extremos êxtases indefinidos de certezas e grandiosidades, mas eram apenas momentos.
Um dia passou a ouvir, assim mesmo, da noite para o dia, sem mais nem menos, sem buscar e sem querer, e ouvindo aqui e ali, muito embora não soubesse ouvir por conta própria, retomou o ânimo de sua busca. Achou que por fim, talvez de fato mesmo, aquele boato de que todos nascem com cinco sentidos fosse verdade, e que até aquele do sentido único e grandioso pudesse ser real.
Começou a escutar esperando impacientemente o momento de degustar a vida. Esperava pelo paladar, aquele que seria a grande salvação, onde comeria e mastigaria tudo, absolutamente tudo, de forma a fazerem definitivas partes de si em si. Depois do paladar, quem sabe talvez, sim, encontraria por fim, o grande sentido.
Esperou por muitos e muitos anos. Esperou e cansou. Nessa espera ele encontrou muitos sentidos. Notou que existiam mais sentidos do que a quantidade limitada de cinco e talvez levasse a vida inteira para nunca saber o quanto ainda tinha para sentir. Entregou-se, nu, de volta ao berço.
Na ausência de sentido tudo fazia sentido e quando encontrava um sentido tudo era ausência. Resignou-se em viver sem condição, sem obrigação de existência. Sentir a falta do sentido era tudo que podia aquele que nascera em ausência.

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1 comentário

Alexandre Andrade novembro 1, 2010 - 11:12 pm

A vida e história de quem sabe, todos nós??? Do sem sentido que se transforma em sentido, depois de achado, mesmo que após muito tempo, um sentido, pra agregar aos outros, os sentidos… e quem sabe, por aquele sentido de busca, do querer, ser por alguém também sentido, notado, gostado, realizado.

Belo texto, beijos… Seus textos são assim: despertam vários sentidos em seus leitores, mesmo que cheguem sem sentido, saem com outro sentido após te ler.

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