Terra & Água

por Alexandra Deitos

Ou, se a obra de Yoann Bourgeois fosse um lugar

Ou, sobre Tom Zé em movimento

Andança é movimento, mas movimento também é estar parada enquanto o mundo gira imperceptivelmente farfalhando matéria que se decompõe e transmuta.

Acordar todos os dias na mesma cama, vendo o horizonte por entre frestas de uma mesma veneziana, bamboleando pelo mesmo caminho quarto-banheiro, e depois a luz da mesma tela na mira da retina fazendo burburinho junto ao órgãos que despertam vorazes.

– Bom dia!, diz um.

– Dormiu bem?, diz outro.

– Buenos dias!, diz um outro.

– Olá, como vai?, diz um outro um.

De bons dias na luz quente-fria o nascer do dia se desenha completo, e, ainda assim, tudo permanece parado nesse movimento sem fim de retro compulsão.

Os dedos investem em uma movimentação descompassada tocando as teclas de um piano verborrágico: o grito escrito como um gemido de vazio numérico binário.

– FALTA…

Cartão amarelo rasgando a densidade da atmosfera em movimento estático. A parte que falta daquilo que transborda no calor do fogo de um amanhã que não há.

Erguer o corpo ao sabor do acaso, ao mínimo mediano que se propõe existir ali. Uma nota vibra ao longe em repetição simplória e sísmica, digna das manchetes disparadas aos ventos amigos. A andança para, por uma fração de segundo, enquanto alguém rompe a ordem cartesiana naquela fila da migalha do pão.

– E vira dança!

É estarrecedor ver a eletricidade que corre feito água nas veias abertas de um corpo que queima ao lançar-se em terra úmida. Como pode em uma gotícula de água que evapora brotar semente de caminho selvagem?

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