“Las putas en el poder porque con los hijos no se fué bien!” (Pichação em muro argentino)
Se tem uma coisa que eu gosto de observar, analisar e catalogar é o xingamento nas mais diversas línguas. Xingamentos, palavrões e gírias costumam falar muito sobre os hábitos de um povo. No Québec, por exemplo, termos próprios ao catolicismo são usados para xingar. Proferir um “tabernáculo” ou uma “hóstia”, quando se bate o dedinho do pé na quina da parede, pode ser mais escandaloso do que profanar o túmulo da mãe. Já o Brasil segue o modelo da maioria dos países ocidentais, em que as palavras mais chulas são aquelas ligadas à genitália masculina e feminina e os xingamentos costumam designar toda a fauna. Até aí, nada de novo. O problema é quando a gente começa a usar o idioma para propagar nossas injustiças sociais sem perceber.
(…) no Brasil, as profissões menos valorizadas costumam cair na voz do povo quando o assunto é xingamento. “Palhaço” e “quenga” ― ou “puta” e suas variantes ― ganharam uma conotação tão pesada e vulgar que ofendem qualquer um e reduzem o profissional do riso e a do sexo a uma categoria mais do que desprezível. Não é irônico que uma sociedade conhecida mundialmente pelo riso e pela sexualidade seja capaz de expressar de forma tão agressiva a rejeição de seus próprios valores?
(…)As pessoas paravam para ver e ouvir apresentações circenses na Praça Sete e, embora eu quisesse descer do ônibus para acompanhar, estava atrasada para um compromisso. Então, fiz como os outros passageiros: pus a cabeça para fora da janela e tentei assistir a um pedacinho do número de um mágico-palhaço, enquanto o sinal estava fechado. Quando um transeunte estúpido passou pela rodinha de gente, sem parar, e gritou “Ô, palhaço!” A minha indignação inflou instantaneamente, como as nadadeiras de um peixe beta. Mas o sinal abriu e eu acabei levando comigo todas as dores do mágico-palhaço que talvez nem tenha ouvido o paspalhão.
“Injustiça” foi a palavra que me veio à mente naquela hora e ainda bate cá dentro.
(…)refleti bastante sobre o esforço descomunal e a tarefa árdua do profissional do riso. Postar-se em frente a uma multidão de infelizes com o encargo de fazer essa gente rir é um massacre para um ego frágil. Principalmente quando o objetivo não é alcançado e as críticas e o julgamento vêm sem piedade.
(…)Assim, espelham para os outros tudo aquilo que, normalmente, não queremos ver. Eles aliviam as pressões diárias ao nos mostrar que levar tudo a sério demais pode ser uma atitude ainda mais ridícula e que rir é mesmo um bom e santo remédio em muitas situações.
Enquanto o palhaço põe a própria cabeça na lâmina da guilhotina, costumamos a tratar por “senhor”, “doutor” e “excelência”, muita gente que não merece o menor respeito. Todo dia assistimos a casos de corrupção e abuso de poder. Em janeiro, então, quando a sociedade está mais preocupada com o carnaval do que com o fim do mundo, é um tal de vereadores, deputados e senadores aumentarem o próprio salário na surdina e aprovarem ajuda de custo ― como se precisassem delas ― que deixa em pé os cabelos de qualquer palhaço que os tenha. Ainda assim, nunca vi ninguém xingar na rua “ô, deputado corrupto!” ou “senadorzinho interesseiro de uma figa!”. Nunca ouvi ninguém passar e gritar “Deixa de ser vereador, cara! Vai trabalhar!”.
A inversão de valores que atinge o idioma reflete aquilo que fazemos no dia-a-dia.
Se as coisas no Brasil fossem questionadas e os fatos viessem às claras, talvez fôssemos mais coerentes quanto ao uso da língua.
(…)
A gente lê jornal, tenta acompanhar o que acontece e percebe que palhaços e putas são os seres mais nobres em toda essa engrenagem social. Quem sabe da próxima vez que ouvir alguém gritar “ô, palhaço”, eu consiga revidar a tempo, com um “muito obrigado!”.
Pilar Fazito – engenhando
1 comentário
Brasil não tem auto-estima, começa por ai!
Mas enfim né… é o mesmo mecanismo do “Vai se fuder” ai a gente grita alegre “Obrigado, pra você tbm!”… ou “Vai tomar no Cu” …ai alguem responde “Deus te ouça!”…e por ai se segue!