Notas

por Alexandra Deitos
Assim, não mais que num instante verdadeiro, ele estilhaçou o vidro com o punho, quando os cacos terminaram de gritar no chão fez-se o silêncio mais longo já existido. Com a mesma veracidade do instante anterior, em outro lugar, uma mulher rastejou sobre o concreto mais áspero, sob o sol mais forte bebia sal do suor misturado com lágrimas vermelhas. E ainda nesse instante de verdade, em mais algum outro lugar, um alguém sentiu suas vísceras desaparecerem e sobrar apenas o vazio do corpo oco, encolhido na placidez coberta e reverberada.
Na ausência do silêncio absoluto, ecoava a melodia do universo: morreu! eu! eu!
Cada ser humano morre muitas vezes em vida, questões de perder a conta, e só um tolo não se apercebe das mortes que vive. Há os que morrem e renascem. Há os que morrem e são esquecidos. Há os que morrem e são santificados. Há os que morrem e simplesmente não sabem. E há mortes com um pouco de tudo isso também, e além.

Das cicatrizes nos dedos, um triângulo. Dos joelhos marcados, um quadrado. De alguma doença estomacal ou cutânea, o circular. – Esquizofrenia! Enquanto uma caneta força um risco, esbarra e cai junto do corpo que se entrega, em outro canto do mundo um coração é pintado com caneta hidrocor, recortado com tesoura escolar e posto a pulsar no ventilador. A folha da árvore é levada pelo vendaval, vazia segue a folha seu desígnio, e a alma seca também segue. Se a inutilidade tem algo a ver com alguma coisa, eu não sei. Se algo tem algo a ver com alguma coisa, sei muito menos. Uma luz sempre bilha como companhia sincera. 
O medo é de endurecer. O mudo é de ensurdecer.

Que medo é esse que te impele?
Que moral é essa que te usurpa?
Que vazio é esse que te cerca de pessoas?
Por que você não consegue tragar a vida sem escrevê-la?
Por que todo silêncio tem uma música?
Por que todo o porquê tem um barulho de água?
E qual a razão no correto que te rouba de ti?
E qual o amor do amor que não cabe na razão?
Qual o sentido da mágoa por uma lei humana e traidora?
Entra dia e sai ano. Entra hora e sai semana.
Sempre a mesma roda da teoria.
Sempre a mesma, estagnada pelo próprio dono dos passos.
Sempre o impasse entre a ilusão dourada do certo e errado.
Sempre a tolice do buscar respostas.
Sempre alternativas ao invés de dissertativas.
Sempre o dono na energia ida na falta do centro.
Sempre a luta pelo nada.
Sempre o homem animal.

Não há nada a ser dito, mas a urgência é parar de ouvir e dizer algo, nem que seja nada. Ouvir é doloroso,  é a sensação da inércia, passividade… e no entanto as ondas movimentam ferozmente os de boca fechada.

E talvez para finalizar alguma coisa (a coisa que não tem nome, crescida no carpete verde da grama falsa, tida como filho no coração mais “amaterno”) Isabel Allende seja usada, quando se lê: 
 “Nossa memória é frágil, uma vida é um tempo muito breve. Tudo acontece tão rápido que não dá tempo de entender a relação entre os acontecimentos. (…) Mas agora, eu já não tenho tanta certeza do meu ódio. Comecei a entender a relação entre os fatos.”

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2 comentários

Flor Baez abril 27, 2010 - 6:59 pm

Você escreveu uma coisa que muito martela na minha cabeça, que são as mortes que sofremos ao longo da vida…Acho que isso pode ser uma reciclagem muito útil para abandonar alguns conceitos cristalizados…

Deascobri seu blog no blog da Potira! E gostei muito!
Bjs

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Ollyvia Pacífico abril 26, 2010 - 4:39 pm

"Sempre a tolice do buscar respostas"
Bem, sempre queremos achar a resposta de nossas dúvidas, as vezes achamos, mas, outras vezes só encontramos mais dúvidas ainda. Nos magoamos com a verdade das respostas, mas o que seria de todos sem essa tolice?? Viveriamos estacionados, como uns e outros??Talvez essa tolice faça de nós ATIVOS!!!

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