AUSÊNCIA

por Alexandra Deitos
Eu quis me dividir em duas e viver em dois tempos, distintos, inerentes. Juro, foi tudo o que eu desejei naquele momento. Apogeus e quedas estão deixando a vida gasta, surrada como um sapato velho. É como se tudo fosse usado com a intenção de desfocar, uma maneira de esfregar na cara prepotente que não se sabe quem se é, nem o que se quer, por mais que se tente alucinadamente provar o contrário… eu estou ali, desmembrando a dor da existência nula. Somos todos iguais. Iguais tentando de forma insignificante se proteger das semelhanças. Aquele orgulho barato, aquela persona fajuta, aquela responsabilidade doentia, aquela solidão comum, aquele muro de Berlim. E aí quando você olha o abismo, não tem coragem. Quando você se vê no espelho, não tem coragem. Quando você vê o outro, não tem coragem. Quando você se decide, continua não tendo coragem. Vai então criando ideias infantis, pateticamente criando a loucura. Chega-se ao ponto do desejar o tempo paralelo, do caminhar em duas direções só pela imobilidade do medo. Prisioneiros de não se sabe o quê, seguimos esfolando as costas, curvados, encolhidos, rastejantes, sem conseguir alcançar um par de olhos, enquanto tudo que temos para oferecer de nós mesmos se perde na sujeira, sem jamais dali brotar flor alguma que seja nossa ou do nosso querer.

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