O FIM

por Alexandra Deitos

A vida passou depressa para nós. Acabávamos de unir espinhas, oleosidade e o sorriso bobo da juventude e já podíamos notar a envergadura dos corpos, os cabelos grisalhos e o rosto chupado um do outro. Não que acreditássemos realmente que nossas vidas competissem com o ano-luz, mas não nos sobrou muito tempo para observar os detalhes da vida, a mudança diária de nossos corpos e sentimentos. Ana sempre me dizia, nos poucos momentos que nos encarávamos, que não estava certo, que para existir evolução precisávamos viver os pequenos detalhes do dia a dia, que precisávamos até ter tido filhos para ensinar e aprender. “ao menos um, Nestor” era o que sempre ecoava. Mas dado ao vazio é que sou feliz, a vida passava depressa e turbulenta, mas vazia, vazia como eu gosto. Talvez ela tenha razão, mas não faço questão de perceber isso agora. Tudo poderia continuar como sempre esteve, até definharmos definitivamente… Mas há algo perturbando meu vazio, são pessoas e ruídos por todos os lados e até Ana anda colaborando com isso. A vida precisa passar mais depressa, ela me parece lenta agora. Constantemente queixo-me a Ana…

Ele queixa-se agora, nunca foi disso. A vida passou depressa para nós, como ele queria. Não tive filhos, como ele queria. Tudo foi exatamente do jeito que ele queria, uma existência rápida e vazia. Estive pensando em procurar amizades, pessoas para conversar, ensinar e aprender, para enfim viver e não apenas existir. Isso o incomoda. Incomoda-o, também, os ruídos das pessoas que pelas ruas, tanto de dia quanto de madrugada. Ele só deseja o vazio e minha companhia quase invisível. Talvez eu sempre tenha tido razão, mas não é hora de perceber isso… Vou guardar os meus anseios e tudo vai continuar igual, até definharmos definitivamente como meros passantes vencidos de uma vida inútil. E eu irei carregar comigo a culpa da comodidade, mas também não me resta mais nada agora…

Ela esteve abatida nos últimos tempos. Eu ter tempo para percebê-la abatida incomodou-me. A vida precisava passar mais depressa…

Ele incomodou-se muito nos últimos tempos. Eu lhe falei de um lugar onde nos sentiríamos no deserto. Sua gratidão me confortou. Partimos em silêncio…

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