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A cada carro que passa a água faz uma onda de um palmo na calçada, a cada ônibus são dois palmos de ondas saltitantes. Todos estão ensopados no ponto de ônibus. O tráfego é intenso e lento. Quando há trégua algum carro aproveita a brecha, pega a pista e acelera, já não são palmos de água subindo mas jatos por toda parte. Alguém é feliz, ganhou segundos preciosos na corrida esperta de quem chega mais cedo em casa. No ponto todos reclamam, por raiva do alguém que ganhou os segundos ou pela situação caótica mesmo. Reclamam dos motoristas, reclamam do prefeito, reclamam do presidente (ou da presidente, agora), reclamam até de Deus e, acredite, da sogra também. Porém ninguém reclamou do cara que subiu em pé em cima de um dos bancos para se molhar um pouco menos. Comia pipoca e jogou a sacolinha branca lá do alto, como um lenço lançado de um navio. Também ninguém reclamou consigo mesmo. As bitucas de cigarro nadando e se afogando assim que o ônibus esperado apontava na esquina. Todos chegando e partindo, afinando um coro de resmungos e sinfonias. Alguns passavam sem participar, nem para o bem e nem para o mal. Ninguém pelo bem.
1 comentário
"Todos chegando e partindo, afinando um coro de resmungos e sinfonias. Alguns passavam sem participar, nem para o bem e nem para o mal. Ninguém pelo bem."
lindíssimo.