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por Gabriel García Márquez
Certa noite, em Barcelona, acabou a luz, e era sábado. Não sei por quê, os fusíveis sempre queimam num sábado. Por sorte, na Espanha, era menos problemático, porque conhecíamos um eletricista – lá, eles chamam de lampista. Então, chamamos o lampista. Estávamos com visitas, acho até que havia alguns mexicanos – sempre havia mexicanos, coisa que me alegra muito -, e já era tarde e o lampista não chegava nunca. Finalmente chegou e começou a trabalhar, lá pelas 10 ou 11 da noite, e eu disse a ele: “Mas o que está acontecendo com a luz? Porque acabou a luz?”. Ele respondeu: “A luz é como a água”. Nesse momento me veio a idéia para um dos contos, que acho o mais belo de todos. Ele me disse “a luz é como a água” e eu não perguntei mais nada, fiquei pensando e naquele momento veio o conto inteiro, inteirinho, que é assim: dois meninos, um de sete e outro de seis anos, moram, por exemplo, na Cidade do México, onde não tem mar. E eles dizem ao pai: “Queremos ganhar um bote de remos”. O pai responde: “Está bem, vamos dar um bote com remos, muito bem, mas quando a gente for para Acapulco, ou para…”. Eles interrompem: “Não, queremos um bote aqui, na avenida Insurgentes 415, no décimo quinto andar”. “Vocês estão loucos! Primeiro,não cabe. E depois, para quê a gente vai comprar um…? “. E os meninos insistem: “Não, não, queremos aqui mesmo o bote de remos!”. Eles discutem, os meninos tornam a insistir, e o pai diz: “Se vocês forem os primeiros da classe eu compro o bote”. Os meninos, que eram sempre os últimos, acabaram tirando primeiro lugar, e o pai diz a eles: “Muito bem, aqui está o bote. O problema é que não cabe no elevador”. Mas acabam levando o bote lá para cima, e o pai então diz: “Aqui está o bote de remos. E agora?”. “Agora, nada”, dizem os meninos. Levam o bote e os remos para o quarto, e dizem: “A gente queria o bote, e pronto”. A mãe e o pai vão ao cinema, e então os meninos fecham bem as janelas. Quebram uma lâmpada e começa a jorrar luz, e eles enchem o apartamento de luz até um metro de altura. “A luz é como a água”, veja você. Então tampam a lâmpada, tiram o bote de remos e começam a remar na luz pelos dormitórios, pela cozinha, pelos banheiros, e os pais lá no cinema, e quando os pais voltam eles abrem a porta do banheiro e começam a deixar a luz ir embora pela banheira. Ninguém notou o que aconteceu, e fica tudo em ordem, e os dois vão se aperfeiçoando. Os meninos ficam em casa e compram óculos escuros e equipamento de mergulho. Quando os pais vão a uma festa eles já não deixam a luz chegar até um metro de altura, e sim um pouco mais alto, e fazem pesca submarina por debaixo das mesas, das camas, é uma farra total. E certa noite, uns dois ou três meses depois, as pessoas passam pela avenida Insurgentes Sur e vêem que do décimo quinto andar está jorrando luz pelas janelas, e chamam os bombeiros e dizem: “está jorrando luz do décimo quinto andar, a avenida está inundando”. Os automóveis estão cobertos de luz, e as pessoas sentem pânico, e os bombeiros chegam, sobem até o décimo quinto andar, e descobrem que os meninos se divertiam tanto que deixaram a lâmpada aberta, a luz chegou até o teto, e eles se afogaram. Estão afogados na luz, estão flutuando. Porque o lampista me disse que “a luz é como a água” e eu disse a ele “não me conte mais nada”, do jeito que estou contando agora.
1 comentário
incrivel.